Natureza das Coisas Invisíveis, A

Dirigido e roteirizado por Rafaela Camelo. Com: Laura Brandão, Larissa Mauro, Serena, Camila Márdila, Aline Marta Maia.
Uma das grandes surpresas desta Berlinale até o momento, o brasileiro A Natureza das Coisas Invisíveis, dirigido pela jovem Rafaela Camelo, lança um olhar sensível e delicado sobre o universo infantil, transformando uma trama aparentemente simples em uma narrativa repleta de encantamento. Escrito pela própria diretora, o roteiro nos apresenta à pequena Glória (Brandão), uma menina de 11 anos que, tendo passado por um transplante de coração ainda na primeira infância, precisa se medicar constantemente, o que de forma alguma lhe tira a alegria, a agitação e a curiosidade típicas da idade. Filha de uma enfermeira que, mãe solteira, não tem com quem deixá-la nas férias, Glória passa os dias no hospital em que Antônia (Mauro) trabalha - e é lá que conhece Sofia (Serena), uma garota de sua idade que acompanha a bisavó, Francisca (Maia), internada após um acidente doméstico enquanto estavam sozinhas em casa.
Presença importante no cotidiano dos pacientes, que se alegram com sua espontaneidade, Glória não demora a deixar clara sua familiaridade com o ambiente hospitalar — ela conhece os funcionários, os corredores e até o depósito que contém as caixas onde são guardados os pertences daqueles que, como ela diz sem compreender totalmente o significado destas palavras, "foram embora". Vivida pela estreante Laura Brandão, cuja doçura e naturalidade são cativantes, Glória finalmente encontra uma companhia mais apropriada em Sofia, que, incorporada pela também estreante Serena, estabelece uma dinâmica leve e encantadora com a nova amiga.
Aliás, os elogios não devem ser limitados ao elenco infantil, já que as veteranas também criam performances essenciais para o sucesso do longa: vivendo respectivamente as mães de Glória e Sofia, Larissa Mauro e Camila Márdila evocam com sensibilidade a exaustão de mães solteiras que lidam com múltiplas responsabilidades — uma avó doente, uma filha em férias e, no caso da personagem de Márdila, um ex-marido obviamente problemático. Marcada pela sororidade e pelo apoio mútuo, a dinâmica entre essas mulheres se torna aos poucos um dos pilares emocionais do filme, que também encontra um suporte fundamental em Aline Marta Maia como a “bisa” Francisca: sua vivacidade é tamanha que, nos instantes em que a mulher é devorada pelo Alzheimer, sentimos profundamente a ausência de sua consciência — uma perda que ecoa na filha e na neta.
Mas o que realmente define A Natureza das Coisas Invisíveis é a maneira como captura a capacidade infinita das crianças de encontrar fascinação e divertimento mesmo nas circunstâncias mais difíceis: Glória e Sofia correm, gritam (não de pavor, mas aqueles gritos que as crianças soltam por excesso de energia) e exploram o mundo com uma alegria contagiante – e a naturalidade com que lidam com questões que os adultos muitas vezes evitam — como a morte — é um dos aspectos mais tocantes do longa. O filme, diga-se de passagem, por vezes adota uma visão quase metafísica sobre o tema, tratando estas discussões sem tabus ou pregações e exibindo, em vez disso, uma abertura típica de suas jovens personagens. A crença em rituais como o benzimento, por exemplo, é retratada sem julgamento, quase em um tom documental (eu não me espantaria caso as amigas da bisa tenham sido interpretadas por não-atrizes), reforçando a ideia de que a vida e a morte são processos que transcendem a compreensão imediata.
Contrapondo com eficácia as sequências no hospital àquelas que se passam em um sítio, Camelo e a diretora de fotografia Francisca Sáez Agurto reforçam, neste contraste entre os ambientes confinados de um e as áreas abertas de outro, a ideia de como a infância é um espaço de liberdade, imaginação e ausência de preconceitos – ao menos, até que os adultos de mentalidade estreita intervenham e as contaminem.
Hábil ao ancorar o espectador ao ponto de vista de suas pequenas estrelas, A Natureza das Coisas Invisíveis é – e sei que estou empregando a palavra pela terceira vez neste texto, mas é inevitável – encantador, estabelecendo Rafaela Camelo como um talento a ser acompanhado de perto daqui em diante.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Berlim 2025
16 de Fevereiro de 2025
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